1933 – O ano em que as curitibanas foram às urnas

por Fernanda Foggiato — publicado 06/03/2015 14h10, última modificação 26/05/2022 15h16
1933 – O ano em que as curitibanas foram às urnas

A Rua XV de Novembro na década de 1930. (Foto – Acervo Casa da Memória/Diretoria de Patrimônio Cultural/Fundação Cultural de Curitiba)

As mulheres compõem, atualmente, 52,1% do eleitorado do país, 51,9% do paranaense e 53,9% do curitibano. Foi longo, porém, o processo para as brasileiras conquistarem, com o Código Eleitoral de 1932, o direito de ir às urnas. Uma pesquisa da Comunicação da Câmara Municipal de Curitiba, realizada em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, 8 de março, aponta registros históricos não só da luta, mas de divergências sobre a questão. Consideradas o “sexo formoso”, “flores do lar”, “bello sexo”, muitas achavam que deveriam se dedicar à família e aos afazeres domésticos.

Outro grupo, porém, comemorava a vitória, como mostrou uma série de entrevistas publicada pelo jornal “Correio do Paraná” entre os dias 9 de fevereiro e 10 de março de 1933. As enquetes tinham em vista o pleito de 3 de maio – data em que o voto feminino foi efetivado. Assim como os homens com mais de 60 anos de idade, elas puderam optar se iriam se alistar para retirar o título de eleitora e votar nos representantes do Paraná à Assembleia Nacional Constituinte.

O balanço do “Correio do Paraná” foi incisivo: “Pudemos observar que a maioria das senhoras e senhoritas da nossa sociedade, obedecendo a uma tradição da sociedade brasileira, são contrárias ao voto feminino. A missão da mulher é no lar, preparando o Brasil de amanhã. E é essa missão que santifica o sexo formoso”. Das 20 enquetes, apenas quatro foram explicitamente favoráveis ao direito conquistado, prestes a ser colocado em prática.

Definida como “uma das figuras brilhantes da geração de moças do Paraná”, a acadêmica de direito Rosy Pinheiro Lima estreou as enquetes. Questionada se a mulher deveria votar, a jovem não disse sim, nem não. Declarou que as damas deveriam reunir as “predicações” necessárias, como cultura, capacidade e independência. No entanto, afirmou que “infelizmente” não havia se alistado, por não possuir a idade mínima de 21 anos (os 18 anos só começaram a valer com a Constituição de 1934, elaborada pelos deputados constituintes).

Nas duas próximas enquetes, o jornal ouviu cidadãs favoráveis ao voto feminino. “Vou alistar-me e espero que todas as minhas conterrâneas o façam”, declarou a senhora Ophelia de Menezes Piza, na edição de 10 de fevereiro. “Como não? Aliás, pela conquista desse direito venho há mais de dez annos ao lado de outras companheiras”, defendeu Martha Silva Gomes, estudante de direito e escritora, na coluna seguinte. Aquilo, para ela, era uma questão de equilíbrio social e reciprocidade de direitos. “Se as leis se fazem para todos, porque só a uma parcella conferir o direito de elabora-las?”, completou.

No dia 15, porém, surgiu a primeira de diversas entrevistas com resistência à ideia. “Sempre fui contraria a intromissão da mulher na política e no jury. Na minha opinião, a mulher deve estar no lar, cuidando dos filhos e de tudo o que exige sua presença”, opinou a artista Fernandina Marques. Na edição de 16 de fevereiro, o “Correio do Paraná” trouxe a avaliação negativa da senhora Yaya Junqueira França: “No Brasil, é muito cedo para a mulher votar”. “Espírito formoso” no meio intelectual feminino, ela argumentou que a “arena de retaliações” da política partidária e outros problemas eram “avessos aos sentimentos delicados”. “A mulher, no Brasil, é a flôr do lar”, justificou.

Na enquete seguinte, publicada em 18 de fevereiro, nova negativa, da violinista Ivette Dias. No dia 21, o jornal se disse surpreso com o andamento das enquetes, já que o “bello sexo”, em sua maioria, não seria favorável ao voto feminino. A entrevistada da vez, senhorita Gilvaneta Machado Lima, “figura de destaque no meio social”, declarou ser “irreconciliavelmente contra”.

No entanto, o “Correio do Paraná” alardeava que as enquetes vinham empolgando as damas da sociedade curitibana, curiosas para saber quem era a próxima entrevistada. “O sexo formoso, quando apanha o nosso jornal, procura logo esta pagina, antes de correr os olhos pela vida social”, publicou. No dia 22 de fevereiro, o jornal trouxe a opinião da violinista Helena Colle: “E´ uma cousa desconcertante e que não comprehendo bem, a mulher metida em politica, com titulos de eleitora ou nos conselhos de sentença”.

Na edição de 24 de fevereiro, a senhora Lorencinha Suplicy e Vidal defendeu que uma dona de casa não tinha tempo para política. “Prefiro ficar em casa, dirigindo o meu lar, cuidando do futuro dos meus filhos”, avaliou. As três entrevistadas seguintes compartilharam a argumentação. No dia 2 de março, a senhora Alcina Alves de Camargo disse que a brasileira ainda não estava à altura do voto e que se sentiria desnorteada.

“Mas essa regalia de votar e ser votada nos foi concedida e, portanto, acho que a mulher deve votar, julgar reus, enfim, usar dos direitos que a lei lhe conferiu”, ponderou Alcina. “Votar, ao meu ver, em nada diminue a nobresa da missão da mulher no lar”, defendeu a senhora Walquiria Chaves Motta, na edição de 3 de março. No dia seguinte, o “Correio do Paraná” publicou a última das entrevistas favoráveis ao voto feminino, da senhorita Nahyr Cruz. Para a jovem, a brasileira tinha inteligência e visão para ingressar na política, votar e ser votada, “e até para assumir cargos administrativos”.

Nas últimas três enquetes, publicadas entre 7 e 10 de março de 1933, repetiram-se opiniões de que à mulher competia a administração do lar. “Ainda não estamos preparadas para estas conquistas”, disse, relutante para expor a opinião, a viúva Maria Joaquina Marçallo. “A politica, entre os homens mesmo, é causa de innumeros dissabores (...) Desde que o mundo é mundo compete aos homens a administração publica”, avaliou a senhorita Estella Ferreira do Amaral. Para a última entrevistada, Leonor Motta, a mulher seria mais útil para a política “educando os filhos, preparando o caracter dos homens”.

O toque feminino às seções eleitorais
As eleições para a Constituinte foram realizadas no dia 3 de maio de 1933, uma quarta-feira em que Getúlio Vargas decretou feriado nacional. No Paraná, segundo informações do jornal “Diário da Tarde”, alistaram-se 34.435 eleitores. Desses, 7.068 em Curitiba, sendo que 5.688 compareceram às urnas, sob “ordem absoluta”. Não há estatísticas, entretanto, de quantas mulheres fizeram o título ou votaram.

“O grande pleito de maio”, como era anunciado, representou também o início do voto secreto – conquista que, na cobertura das eleições, dominou os comentários da imprensa local. Na capa da “Gazeta do Povo” de 3 de maio, saudava-se o “espetáculo inédito” trazido pelo “Código Eleitoral que a Revolução deu ao Brasil”. Apenas na edição do dia 5, na coluna de Frederico Faria de Oliveira, houve uma menção à presença feminina nas eleições.

Sob o título “Voto Secreto”, o jornalista disse que em sua seção eleitoral “transbordava gente de todos os naipes, inclusive senhoras graves e senhorinhas vaporosas”. A coluna relatava que as “silhuetas atraentes de mulher” conversavam, animadas, sobre as eleições, com perguntas de em quem votariam. Outra nota, de 7 de maio, comentava o caso de uma “senhorita” impedida de votar na 7ª seção eleitoral. Ela não havia reparado que o título trazia, em vez de sua fotografia, o retrato de um “carão barbado”.

No “Diário da Tarde” também imperaram os comentários ao voto secreto, além de críticas à morosidade da apuração. Na capa da edição de 5 de maio, a matéria intitulada “O saldo da Revolução de 1930” saudava: “Por toda parte, no Brasil, os cidadãos de ambos os sexos votaram em quem livremente escolheram”. Mas foi na “Coluna Morretense” que o voto feminino ganhou espaço na cobertura do pleito. “O bello sexo com sua presença deu-nos a confiança na ordem e esperança de melhores dias pela expontaneidade e decisão com que fez uso do direito conquistado de intervir nos negocios publicos”, dizia.

No dia 12 de maio, o assunto de capa ainda era a eleição da Constituinte: “É indiscutivel que o pleito de 3 de maio constituio um acontecimento cívico de rara beleza. (...) Votou todo mundo, sem constrangimento. Votaram também as mulheres”. Na cobertura do “Correio do Paraná”, o destaque foi, na mesma linha, ao voto secreto.

O resultado do pleito saiu no dia 17 de maio de 1933. Foram eleitos, pelos homens e mulheres do estado, os deputados constituintes coronel Plinio Tourinho (Partido Liberal), general Raul Munhóz (Liga Católica), Lacerda Pinto (Liga Católica) e Antonio Jorge Machado Lima (Partido Social-Democrático), que ajudariam a elaborar a Constituição de 1934.

* As citações de atas e notícias, entre aspas, são reproduções fiéis dos documentos pesquisados. Por isso, a grafia original não foi modificada.

Referências Bibliográficas:
Cabral, João C. da Rocha. Código Eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil. Secretaria de Documentação e Informação. Brasília, 2004. Disponível em: http://www.tse.jus.br/hotSites/CatalogoPublicacoes/pdf/codigo_eleitoral_1932.pdf

Código Eleitoral de 1932. Disponível em:
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=33626

Glossário eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Termo “Voto da Mulher”. Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos/voto-da-mulher

Jornal “Correio do Paraná”. Edições de 16 de janeiro; 9, 10, 11, 15, 16, 18, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 de fevereiro; 1º, 2, 3, 4, 6, 7, 8 e 10 de março; e 17 de maio de 1933. Disponíveis em: http://hemerotecadigital.bn.br/

Jornal “Diário da Tarde”. Edições dos dias 3, 5 e 12 de maio de 1933. Disponíveis para consulta em microfilme na Biblioteca Pública do Paraná.

Jornal “Gazeta do Povo”. Edições de 3, 5 e 7 de maio de 1933. Disponíveis para consulta em microfilme na Biblioteca Pública do Paraná.
 
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