A família imperial pelas fábricas de erva mate de Curitiba

por Michelle Stival da Rocha — publicado 07/08/2015 11h00, última modificação 26/05/2022 15h01
A família imperial pelas fábricas de erva mate de Curitiba

A Mansão das Rosas, em 1880, propriedade do industrial do mate Francisco Fasce Fontana. Na foto, não está a Princesa Isabel. (Foto: Acervo Casa da Memória)

“Depois de visitada à chácara, dirigiram-se para uma das ilhas, a maior, onde tomaram Suas Altezas e comitiva matte sob differentes fórmas, em chá, em folha, queimado e por último à moda da terra, em cuia, havendo entre estas uma que conta mais de cincoenta annos.” A cena, narrada pela Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, passa-se em Curitiba, em 1º de dezembro de 1884: Princesa Isabel, Conde d'Eu e dois dos filhos do casal, em visita à cidade (leia mais), foram conhecer a fábrica de erva mate dos senhores Silva, Irmão & Fontana. Considerado o ciclo de “ouro” de Curitiba, o mate enriqueceu muitas famílias e trouxe progresso à capital – e era este o principal motivo de se construir a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, que estava sendo concluída naquele final de ano, e por onde chegou a princesa a Curitiba na primeira viagem da ferrovia.

“Todos juntos, menos Antônio, partimos às 4 horas para a fábrica de mate do Fontana, oriental [como chamavam as pessoas vindas da Banda Oriental do Uruguai], filho de italianos e casado com uma filha do Dr. Ermelino. É bem inteligente, seu mate muito bem beneficiado. Tem convertido em verdadeiras plantações de flores e de bonitas árvores (muitas delas frutíferas) um verdadeiro brejo que rodeava a antiga fábrica de mate que Papai conheceu neste lugar”, assim contou a Redentora a seus pais, D. Pedro II e Tereza Cristina, em uma carta-diário.

A fábrica ficava onde hoje é a avenida João Gualberto. O local descrito no início do texto é bem próximo do Passeio Público, inaugurado e aberto ao público somente dois anos depois, em 1886 (Foto 2). Fontana aplicou uma técnica de redução de banhados em seu território e logo após fez o mesmo no terreno onde seria o parque, às suas próprias custas, por ser amigo do presidente da província, Visconde de Taunay. Da Mansão das Rosas, residência do industrial (Foto 1), sobrou somente o portal, que hoje é entrada de um conjunto de edifícios em frente ao Colégio Estadual do Paraná. A demolição da propriedade ocorreu em 1974¹.
 
A Gazeta do Rio de Janeiro descreveu com detalhes como era feito o processamento do mate. “Estes senhores possuem dous estabelecimentos juntos um do outro, organizados e construídos pelo laborioso industrial o Sr. Francisco Fasce Fontana, ha seguramente tres anos e meio. Um dos estabelecimentos é movido a vapor por um motor da força de 42 cavallos, e outro por motor hydraulico. E' grande o desenvolvimento do primeiro, que, trabalhando dez horas, prepara diariamente mais de mil arrobas de matte, prompto para a exportação. O segundo, em vista do motor, que, como já se sabe, é hidráulico, apenas póde beneficiar de 300 a 400 arrobas diarias, não sendo tão perfeito como o primeiro.” A máquina a vapor seria uma invenção do próprio Fontana.

Suas altezas percorreram a “esplendida chacara que rodeia as fabricas, cortadas por innumeros rios, divididos de proposito, alem de magnificos jardins nas ilhas pitorescas, que tornam agradavel e aprazivel aquella parte da cidade. N'esta chacara encontram-se flôres e arbustos rarissimos, e que só se conhecem na Europa e nas repúblicas do Prata, pela excellencia do clima. O do Paraná nada fica devendo áquelle”, relata o jornal.

Fontana teria oferecido licor de mate aos augustos viajantes, preparado na própria fábrica, “e que é excellente”, elogia o correspondente. “O Sr. conde d'Eu significou ao intelligente industrial o Sr. Fontana o contentamento e a satisfação com que se retirava, declarando que não esperava encontrar alli um tão importante estabelecimento”, continua. Após esta visita, com autorização de Dom Pedro II, o engenho foi batizado de Fábricas Imperiais Fontana.  

A família também visitou os engenhos de Tibagi e Iguaçu (foto 3), no Batel, de propriedade de Ildefonso Pereira Correia – onde hoje está a pracinha do Batel. Ele ficaria mais conhecido posteriormente pelo nome de Barão do Serro Azul. Recebeu este título da própria princesa Isabel, em 1888.

O repórter carioca manifestou claramente sua preferência pela fábrica dos Fontana: “Também o Sr. commendador Ildefonso Corrêa tem uma bem montada fabrica de preparar herva matte; porém um pouco inferior á dos Srs. Silva, Irmão & Fontana, em aparelhos e modo de preparar a materia prima”.

Já a princesa Isabel, dias depois em seu diário, escreveria diferente aos pais. “Fábrica de beneficiar mate do Comendador Ildefonso Pereira Correia: Pareceu-me ainda melhor instalada do que a do Fontana. Esta fábrica está um pouco fora da cidade [o Batel era considerado rocio, lugar afastado do centro], e aí perto há um altozinho aonde fomos para gozar a vista. Não se podia ver nada de mais lindo e aprazível. Ao longe, S. José dos Pinhais, campos, copas de pinheiros. Mais perto, casinhas pitorescas, culturas, Curitiba.”

Por Michelle Stival da Rocha – Jornalista da Diretoria de Comunicação da Câmara Municipal de Curitiba
 
Leia as outras reportagens da série sobre a visita da princesa a Curitiba:
 
 
Notas:
1) As citações de atas e notícias, entre aspas, são reproduções fieis dos documentos pesquisados. Por isso, a grafia original não foi modificada.

2) As informações encontradas sobre o local de hospedagem da família imperial em Curitiba são contraditórias. O boletim do IHGPR informou que teria sido na casa de Antonio Ricardo dos Santos. Mas conforme pesquisa realizada pela Casa da Memória, no livro "Ação empresarial do barão do Serro Azul", p. 54, da prof. Odah Regina Guimarães (UFPR), existe a afirmação de que a Princesa ficou hospedada no palacete do Barão (do Serro Azul – O Solar do Barão, hoje um espaço cultural da prefeitura).

3) Ao utilizar ou se basear em textos históricos do nosso site, por gentileza, cite a fonte.

Referências:
Edição 351 da Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro – terça-feira, 16 de dezembro de 1884. pg. 2. (Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional)

Boletim Especial do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense. Comemorativo ao Sesquicentenário da Independência do Brasil 1822-1972. (Volume XV, ano 1972).
 
(1) Romanel, Maria Cecília; Scherner, Maria Luiza. Álbum de Memórias: A trajetória das indústrias do Paraná, Curitiba: Editora Univer Cidade, 2007.