Dia do Índio: O vereador Bandeira, o cacique Condá e os Campos de Palmas

por João Cândido Martins — publicado 17/04/2015 12h30, última modificação 26/05/2022 15h06
Dia do Índio: O vereador Bandeira, o cacique Condá e os Campos de Palmas

Alfredo Andersen – Gloriosos Campos (Tibagy), 1923. (Foto - http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/uploads/2007/05/DSC

A Câmara Municipal de Curitiba desempenhou um importante papel pacificador num dos momentos mais tensos da colonização dos sertões do Paraná. O fato se deu em 1839, por ocasião da divisão das terras dos Campos de Palmas, quando foram designados como árbitros da contenda os vereadores Joaquim José Pinto Bandeira e João da Silva Carrão. Além desse armistício, a Câmara também foi responsável pela articulação política que conseguiu receitas para a construção de uma estrada ligando a capital à região de Palmas (então pertencente à 5ª Comarca de Curitiba). A realização dessa arbitragem evitou, mesmo que por um tempo, maiores conflitos pela posse das terras e tudo só foi possível com a participação do índio Condá, que os vereadores conheceram em Guarapuava. Em homenagem ao Dia do Índio (19 de abril), a Câmara conta essa história.

Joaquim José Pinto Bandeira, então presidente da Câmara Municipal e futuro primeiro presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, em 1854, foi também autor de um longo memorial descritivo da arbitragem, bem como dos fatos que a antecederam e dos que se seguiram a ela. Trata-se da “Notícia da descoberta do Campo de Palmas”, publicada no número 14 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1851, pouco mais de dez anos após o evento (Link).

Diz ele nesse registro que a existência dos Campos de Palmas já era de conhecimento dos luso-paulistas na primeira década do século XIX. Quando os Campos de Guarapuava não ofereceram mais espaço para a criação de gado, foi instituída a “Sociedade dos Primeiros Povoadores Palmenses” no mês de março de 1839. Liderada pelo estancieiro José Ferreira dos Santos, a sociedade chegou ao local conhecido como Alagoá. Um mês depois outro estancieiro, Pedro Siqueira Cortes, organizou uma segunda expedição dissidente da primeira e atingiu uma área ao sul do rio Iguaçu, com maior extensão. As expedições se encontraram e o conflito foi inevitável.

Não havia ainda uma previsão legal sobre a posse de áreas inexploradas, então as partes concordaram em se submeter a uma arbitragem externa. De início foram escolhidos o capitão Domingos Ignácio de Araújo e o alferes José Caetano de Oliveira, ambos moradores de Palmeira, mas por razões diversas eles tiveram de se abster. Foi decidido então que a contenda seria dirimida pelos vereadores curitibanos Joaquim José Pinto Bandeira e João da Silva Carrão. Embora Bandeira tenha sido o autor do memorial envolvendo os fatos em torno da arbitragem dos Campos de Palmas, omite seu próprio nome, referindo-se a si como “o emissário” ou “o outro indivíduo”.

Condá
No dia 4 de abril de 1840 partiram os vereadores curitibanos em direção aos Campos de Palmas, cuja distância era de 80 léguas. “O que passaram relativo a incômodos e trabalhos, por uma vereda mal trilhada, em um paiz novo, falto de todos os recursos, infestado do gentio, com temporais excessivos, enchentes de rios, e mil outros embaraços, não é para ser contado. Basta dizer que só puderam chegar ali no dia 28 de maio seguinte”, relata Bandeira.

Passando por Guarapuava, encontraram uma das mais significativas lideranças Kaingang de toda a região: o índio Condá. Ele estava com sua mulher e outros dois índios acompanhados por suas famílias, totalizando 11 pessoas. Um deles, ex-morador de um aldeamento sabia ler e escrever em português e o próprio Condá conseguia articular algumas frases, fato que facilitou a comunicação com os emissários de Curitiba. Bandeira sabia que a realização da divisão dos Campos de Palmas dependia da concordância dos índios que viviam na região e eles não eram um simples detalhe em meio à disputa de terras dos estancieiros. Na verdade, eram milhares de indígenas espalhados pelos campos, alguns deles belicosos em função de agressões anteriores. Enquanto uma parte aceitava o avanço dos brancos, outra resistia. Era necessária uma presença de consenso que acalmasse os ânimos e possibilitasse uma tentativa de convivência pacífica entre os brancos e os indígenas.

Conquistado o consenso entre os índios (por meio da presença do cacique Condá) e também sua concordância com a presença dos brancos, promoveu-se (após longos e difíceis debates) a divisão: “(...) foi mister começar por separar as duas sociedades, por um lageado intitulado as Caldeiras, ficando a de Pedro de Siqueira para o poente e a de José Ferreira para o nascente”, diz Bandeira. Durante a divisão dos campos de Palmas, descobriu-se outra área a sudoeste de Palmas conhecida como Campo-Erê. Neste local havia o acampamento de alguns Kaingangs comandados pelo cacique Viri. Eles esboçaram uma reação à chegada dos brancos, mas quando se provou que a expedição faria parte de uma ação maior que contava com a presença de Condá, os índios se acalmaram.

Superadas estas questões e conclusa a divisão dos campos, tarefa que durou dois meses e meio, ficou claro que era necessário um caminho que ligasse a localidade a Curitiba. Havia carência de suprimentos e fazer o trajeto passando por Guarapuava era uma alternativa pouco prática. Foi convocada então a Companhia de Permanentes Municipais, que havia sido criada em 1837. Comandada por Hermógenes Lobo, a Companhia ajudou na construção de algumas vereadas, como a que ligou Palmas a Palmeiras. Além disso, foram eles que estabeleceram os Kaingangs de Condá a duas léguas de Palmas. Três anos depois, a estrada ligando Palmas a Curitiba foi tema de um pedido de verbas por parte da Câmara da capital da Comarca à Assembleia Legislativa de São Paulo (capital da província).

Após o término da partilha, Carrão retornou a Curitiba em meados de agosto pelo caminho que necessariamente passava por Guarapuava. Joaquim José Pinto Bandeira optou por fazer o trajeto pelo rio Iguaçu. Após quatro dias andando por picadas, o vereador chegou ao porto de embarque. Em seguida, passou mais dezesseis em uma embarcação chegando finalmente ao Porto de Freitas, nos Campos Gerais. Bandeira tinha pendores sertanistas.

Os índios
É necessário esclarecer que toda essa ação promovida pelos vereadores curitibanos, embora positiva, representou algo pequeno quando visto no conjunto das dezenas de massacres que ocorriam ano a ano desde que em 1808, Dom João VI declarou guerra aos “bugres de Guarapuava”. Os termos pejorativos utilizados pelo imperador se tornaram constantes em praticamente todos os discursos produzidos sobre (e principalmente contra) os índios até as primeiras décadas do século XX.

Generalizações preconceituosas sobre os índios foram difundidas até por nomes como Taunay e Romário Martins. Ainda no período de Bandeira, ressoava o discurso de José Bonifácio de Andrada e Silva, que prescreveu toda a metodologia necessária para cooptar o que ele chamava de “homizio selvagem”. Brutalidades contra indígenas foram comuns desde a chegada dos europeus às terras brasileiras.

Não causa espanto, portanto, encontrarmos a palavra “selvagens” nos escritos de Bandeira. A ciência da antropologia enquanto método de investigação sistemática ainda estava em estágio embrionário. Não havia um estudo humanista sobre como abordar essas populações, então o contato foi conflitivo, como descreve o próprio Bandeira em seu relato de 1851. De qualquer modo a arbitragem dos vereadores curitibanos se mostrou eficaz, pelo menos durante um período inicial em que Palmas ainda estava se constituindo como povoação.

Condá posteriormente colaborou com a construção de ligações terrestres no oeste de Santa Catarina. A prefeitura da cidade de Chapecó reconheceu sua importância ao emprestar seu nome ao Estádio Regional Índio Condá, mas sua atuação histórica não é unanimidade: remanescentes kaingangs questionam os interesses do cacique que ao morrer respondia pelo cargo de major. Quanto a Bandeira, logrou ser o primeiro presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, por ocasião de sua fundação em 1854 (o mais velho deputado naquele momento).

Por João Cândido Martins – Jornalista da Diretoria de Comunicação da Câmara Municipal de Curitiba.
Referências Bibliográficas
Baia, Cinthian Aparecida. Estratégia de ocupação de terra e relações de poder nos Campos de Guarapuava (1768-1853). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia. Maringá, 2012. (Págs. 87 a 99)

Bandeira, Joaquim José Pinto. Notícia da descoberta do Campo de Palmas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (R.IHGB), v. 14, 3ª série, n. 4. (p. 425-438) 1851. http://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=p

João VI, Rei de Portugal, 1767-1826. Carta de D. João VI ao governador da Capitania de São Paulo: “Approva o plano de povoar os Campos de Guarapuava e de civilisar os índios bárbaros que infestam aquele território”. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1 de abril de 1809.In: Coleção das Leis do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.

Lima, Carlos A. M. Uma “informação” sobre os negócios da erva-mate e o seu autor (1837) http://www.revistaabphe.uff.br/index.php?journal=rabphe&page=article&op=view&path[]=35

Malage, Katia Graciela Jacques Menezes. Condá e Viri: Chefias indígenas em Palmas – PR, década de 1840. Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em História ao programa de Pós-Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná – UFPR. Curitiba, 2010.

Mota, Lúcio Tadeu. As guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769 - 1924). 2ª. edição revisada e ampliada. Secretaria de Estado da Educação. Maringá-PR, 2008. http://www.portalkaingang.org/index_downloads.htm