Francisco Pereira de Macedo e o Bairro de Santa Quitéria

por João Cândido Martins — publicado 17/05/2013 09h15, última modificação 06/05/2022 15h43

No dia 5 de maio último, completaram-se 58 anos da morte do advogado e professor Francisco Pereira Azevedo de Macedo, personalidade que a partir do ano de 1957 passou a nomear uma praça em Santa Quitéria. A Assessoria de Comunicação da Câmara traz algumas informações sobre Francisco e também sobre o bairro de Santa Quitéria, dentro de uma iniciativa com mais de quatro anos: resgatar história a partir dos atos administrativos e decisões legislativas tomadas na Câmara Municipal.

O historiador Rui Cavalin Pinto relata que em 1896 o advogado Francisco Pereira Azevedo de Macedo foi nomeado aos 26 anos para o cargo de procurador-geral do Estado do Paraná, com a prerrogativa de participar das sessões do Superior Tribunal de Justiça. A escolha foi feita pelo então presidente do estado, Santos Andrade, que precisou editar uma lei (281/1896) para excluir os integrantes do próprio tribunal e garantir a nomeação de um nome independente.

Em represália, os desembargadores decidiram que durante as sessões, a cadeira do procurador deveria ficar num plano inferior a dos demais magistrados. Francisco Pereira refutou essa possibilidade alegando que a decisão feria o cargo que ele ocupava, cargo cujas atribuições e deveres eram determinados pelas leis de organização judiciária vigentes. Invocou legislações análogas adotadas em outros estados como Amazonas, São Paulo e Alagoas e logrou a aprovação de uma lei (420/1901) que dispunha sobre a igualdade do procurador-geral temporariamente nomeado em relação aos desembargadores nos atos jurisdicionais.

Para Rui Cavallin, a atitude de Pereira foi determinante para que o Ministério Público paranaense se firmasse como órgão público independente (condição indispensável para sua correta atuação). Com os anos, Francisco Pereira Azevedo de Macedo extrapolou o meio jurídico e se tornou um nome de peso no cenário político-cultural do Paraná. Além de deputado estadual por várias legislaturas, Francisco Pereira também coordenou a Secretaria de Ensino Público, onde tentou qualificar os professores e democratizar a educação. Foi professor na Escola Normal de Curitiba e no Ginásio Paranaense. Contribuiu para a concretização da Universidade Federal do Paraná, em 1912, instituição onde lecionou por mais de 30 anos.

Doze anos antes, a filha de Pereira, Anette Macedo, que também se tornaria uma referência para o ensino no Paraná, lecionava na Escola Isolada do Retiro Saudoso, localizada em uma chácara do próprio Pereira, no arrabalde conhecido hoje como o bairro de Santa Quitéria. O lugar consistia em algumas fazendas e chácaras entremeadas por trilhas. É possível que a escolha de Pereira por aquela região estivesse ligada ao fato de que seu amigo, o poeta Dario Vellozo também era proprietário de uma pequena chácara nas imediações, mais precisamente no bairro conhecido como Vila Izabel. Neste local, Dario Vellozo erigiu o Templo das Musas, edificação de características gregas que até hoje é a sede das atividades do Instituto Neo-Pitagórico, outra criação de Vellozo.

Misticismo Helenista
Nos primeiros anos do século XX, Curitiba vivenciou um entusiasmo verdadeiro com a safra de poetas simbolistas. Organizadamente eles se divulgam por meio de panfletos e revistas, além de declamações públicas. Segundo a historiadora Cristiane dos Santos Souza “a amizade entre Macedo e Vellozo inicia no ensino secundário. Foram membros, no mesmo período do Clube Curitibano, do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Paraná, do Centro de Letras, da Academia de Letras do Paraná e da Academia Paranaense de Letras. Escreveram para as revistas A Idéia, Cenáculo e A Escola. Foram professores da Escola Normal e do Ginásio Paranaense. Ainda participaram do Instituto NeoPitagórico, da Federação Espírita do Paraná e da Maçonaria”.

A onda mística que dominou o século XIX na Europa (e assinalou o surgimento de ordens secretas como a Golden Dawn e o movimento Rosa Cruz entre outros), agora acontecia com intensidade no Brasil. Além da Maçonaria, que desempenhava um forte papel no cenário político, havia também espaço para outras agremiações, como a Igreja Positivista, que ainda hoje se reúne em sua sede no Rio de Janeiro. Doutor Francisco Pereira, como um homem de seu tempo, também integrou tais grupos, mas, além disso, foi um dos fundadores da Sociedade de Caridade e, em 1928, participou com a filha da criação da primeira escola maternidade do Paraná. Até os anos 1940, foi um dos únicos proprietários de terras em Santa Quitéria. A praça que hoje leva seu nome foi doada por Pereira a um grupo de jovens que desejava iniciar um time de futebol. Tratava-se do Vila Inah Futebol Clube, fundado em 1945 (e que se fundiria com o Ipê F. C. em 1970, originando o União Santa Quitéria). O jornalista José Domingos esclarece em seu site que o nome Vila Inah surgiu em 1935 e foi uma homenagem à esposa do senador Othon Mader (que também possuía terras no Santa Quitéria).

1786
Segundo a pesquisadora Schaff, o primeiro registro do nome Santa Quitéria data de 1786, do levantamento de dados promovido para a elaboração da chamada Lista Nominativa da Vila (um censo do município na fase colonial). A expressão Santa Quitéria consta em praticamente todos os mapas antigos de Curitiba, sempre como uma região em branco, no final dos grandes eixos estruturais provenientes do Rebouças (Avenidas Visconde de Guarapuava, Sete de Setembro, Silva Jardim, Água Verde e Getúlio Vargas, antiga Rua Ivaí).

Durante anos a região permaneceu quase estagnada, em comparação a bairros vizinhos como Seminário e Portão, que cresceram economicamente enquanto Santa Quitéria permanecia como uma campina pontuada por bosques. Antes de se tornar um dos maiores projetos de habitação popular do país em 1950 (ao lado do Guabirotuba e do Jardim das Américas), Santa Quitéria vivenciou invasões irregulares, resultantes de migrações diversas e uso de logradouros para descarte irregular de lixo. Em 1950, o programa Caixa de Habitação Popular construiu centenas de casas que foram compradas por funcionários púbicos. Tentou se implantar o nome “Carmela Dutra” (esposa do general Gaspar Dutra, então presidente do país), mas a população continuou se referindo ao local como Santa Quitéria. Posteriormente, em 1965, o programa seria substituído pelo Banco Nacional de Habitação (BNH).

Em 1968, foi inaugurado o Parque Linear Arthur Bernardes, um espaço de 56 mil m2 distribuídos ao longo da estrada que, vindo de Campo Largo, chega ao bairro Portão separando Santa Quitéria de Vila Izabel. A intervenção certamente provocou um aquecimento na economia local e, por consequência, na procura por moradias. O asfalto nas pacatas ruas do bairro só chegaria no final dos anos 1970, aproximadamente na mesma época em que o jogador Garrincha esteve no bairro para prestigiar a inauguração de uma Escolinha de Futebol (feita com os esforços dos moradores). O jogador, que já estava depauperado pelas doenças e pelo uso excessivo de remédios, morreria pouco tempo depois e a escolinha foi fechada há anos, mas a presença de Garrincha em Santa Quitéria é lembrada até hoje.

Talvez o clima plácido do bairro colabore para que ele mantenha sua vocação habitacional. As famílias de Santa Quitéria e de outras localidades de Curitiba tem comparecido ás feiras de artesanato promovidas todos os sábados, na Praça Francisco Pereira Azevedo de Macedo, criada pela lei municipal 1.453/1957.

Referências Bibliográficas

"Utilitarismo, civismo e cooperativismo no projeto educacional de Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo, 1892-1947", de Cristiane dos Santos Souza. Dissertação apresentada para a conclusão de Doutorado pela UFPR, 2012. Link aqui.

"Entre permanências e rupturas: um estudo sobre Annette Macedo, uma expressão feminina na educação paranaense", de Cristiane dos Santos Souza.

Lei municipal nº 1453, de 29 de agosto de 1957.


"Vila de Curitiba segundo as Listas Nominativas 1786-1799", de Mariza Budant Shaff. Dissertação apresentada para a obtenção do Mestrado em História pela UFPR, 1974.

"Recordar é viver: Vila Inah deixou saudade em nosso amadorismo", de José Domingos. Publicado no site Futebol Amador Paraná.

"O assento do procurador-geral no Tribunal", de Rui Cavallin Pinto. Texto publicado no Memorial do Ministério Público do Paraná. Link aqui.