Palácio Rio Branco: a visão do engenheiro Ernesto Guaita

por João Cândido Martins — publicado 31/08/2012 15h30, última modificação 03/06/2022 15h33
Palácio Rio Branco: a visão do engenheiro Ernesto Guaita

Correspondência do arquiteto e historiador italiano João de Mio, autor de várias edificações de destaque em Curitiba, sobre a vida de Ernesto Guaita e suas contribuições para a cidade. (Foto – Andressa Katriny)

O prédio do Palácio Rio Branco, atual sede da Câmara, já foi conhecido como Palácio do Congresso e, sob esta denominação, sediou a Assembleia Legislativa estadual por mais de 60 anos. Em 1957, os deputados estaduais transferiram suas atividades para uma nova sede localizada no complexo arquitetônico do Centro Cívico e, em 63, os vereadores realizaram a primeira sessão plenária nas dependências do prédio, renomeado Palácio Rio Branco.

A realização da obra foi confiada em 1890 a Ernesto Guaita, engenheiro piemontês que chegou ao Brasil com as primeiras levas de imigrantes. Entre 1880 e 1881, prestou serviços na construção da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba. Segundo o coordenador de pesquisa da Diretoria de Patrimônio da Fundação Cultural de Curitiba, Marcelo Sutil, nos anos seguintes Guaita trabalhou para a Câmara de Vereadores como engenheiro de obras e, nesta condição, teve a oportunidade de elaborar e construir algumas das edificações mais importantes da cidade, entre elas, o Palácio Rio Branco.

Para a realização dessa obra, utilizou da linguagem arquitetônica em voga naquele momento: o ecletismo, tendência européia que dominou as cidades brasileiras a partir da metade do século XIX. A pesquisadora Suzele Rizzi declara que “Ernesto Guaita foi o principal responsável pela disseminação da arquitetura eclética de linguagem clássica como referência básica em obras como o Palácio do Congresso”.

O jornal A República, em sua edição numero 100 do ano de 1895, registra que a construção do prédio então conhecido como Palácio do Congresso foi encerrada no dia 30 de abril, ou seja, entre o início das obras e a conclusão transcorreram quase cinco anos. Newton Carneiro, filósofo e historiador curitibano, acredita que o hiato de tempo pode ser explicado, entre outros motivos, pela eclosão da Revolução Federalista, no mesmo período. Considerado um dos conflitos mais violentos da história do Brasil, a revolução foi marcante para a vida política do Paraná e provoca ressonâncias até hoje.

Transformações
O prédio é produto de um momento de transformações políticas e econômicas. Centenas de pessoas desembarcavam todo dia na estação ferroviária e isso fez com que a prefeitura investisse na região da Praça Eufrásio Correia. A antiga Rua Leitner passou a se chamar Rua da Liberdade (posteriormente seria rebatizada como Barão do Rio Branco). O comércio local aqueceu com destaque para hotéis como Jonscher e Tassy.
 
Em 1903, a praça foi escolhida para ser a sede de uma exposição internacional de produtos agrícolas, cujo mote era comemoração do cinquentenário de emancipação política do Paraná. O evento foi muito elogiado pela imprensa nacional da época, que também constatou os evidentes avanços da cidade.

Um dos destaques foi o Palácio do Congresso, construído para sediar as atividades da Assembleia Legislativa estadual. A descrição do prédio feita por Arthur Dias foi publicada em O Brasil Actual, de 1904: “O Congresso dispõe também de um bonito edifício, novo e nobre de linhas ao estilo italiano renascença, com um poético jardinete ao derredor. Uma escadaria separada da rua, com o componente gradil de ferro artístico, leva ao peristilo do edifício aberto em arcadas sobre colunas da ordem coríntia. A pintura interna e externa do edifício, toda "grisperle" (cinza), destaca-o fortemente do verde do jardim e o emoldura. Em uma palavra, tudo gracioso e aprazível aos olhos, sem destoar da severa composição de um edifício destinado ao seu objeto”.

O prédio é um dos mais representativos da arquitetura italiana neoclássica: simetria, monumentalidade, arcos plenos (em oposição aos arcos góticos), janelas retangulares e adornos sutis caracterizam a tradição que Guaita quis destacar.

Homenagem
O prédio foi testemunha de todas as oscilações da vida política brasileira. A Câmara de Vereadores passou a fazer uso de suas dependências a partir de 1963. Antes disso, a casa legislativa municipal passara por várias sedes na Praça Tiradentes e até permaneceu um tempo no sobrado construído pelo próprio Guaita na Praça Carlos Gomes (conhecida então como Praça da Proclamação). Em 64, por iniciativa do então vereador Menotti Caprilhone, o nome de Ernesto Guaita foi sugerido para batizar um logradouro.

Recentes pesquisas promovidas pela Assessoria de Comunicação da Câmara, com a colaboração da Divisão de Biblioteca e Referência Legislativa e da Seção de Arquivo e Documentação Histórica, mostraram que durante as discussões desse projeto, a Casa recebeu duas correspondências do arquiteto e historiador italiano João de Mio, autor de várias edificações de destaque em Curitiba, como a Capela Santa Maria e a Igreja de São Pedro do Umbará.

Nestas cartas, a segunda delas localizada nos arquivos, ele falava sobre a vida de Ernesto Guaita e suas contribuições para a cidade. O documento histórico traz informações que seriam inéditas, como a participação do engenheiro nas primeiras intervenções feitas na área pantanosa que depois se tornou o Passeio Público, em 1886.

De Mio propôs  que o nome de Guaita batizasse uma pequena área na região do Bigorrilho (onde hoje é a Praça da Ucrânia), por ele ter sido um dos primeiros moradores da região, onde viveu por 40 anos. A sugestão, porém, não foi levada a efeito e uma rua nas imediações do terminal Santa Cândida recebeu o nome de Engenheiro Ernesto Guaita.

A arquiteta e pesquisadora Analu Cadore, que se dedicou ao estudo das obras de Guaita, acredita que ainda há muito a descobrir. “Uma boa parte das construções elaboradas por ele foram demolidas sem que restassem maiores registros visuais ou técnicos, como é o caso do Departamento Estadual de Compras ou da Vila (residencial) Grotzner”, declarou.

Apesar da sua importância para Curitiba na virada do século XIX para o XX,  as informações sobre a vida do engenheiro são  escassas e, em alguns casos, contraditórias, como esclarece  Cadore, autora de dissertação sobre a produção arquitetônica do engenheiro. Não há, inclusive, precisão quanto à data de falecimento de Guaita. Acredita-se que tenha ocorrido entre 1914 e 1915, diz a pesquisadora. Seu estudo contém as análises de quatro obras do italiano, incluindo o Palácio Rio Branco.

Outra atividade que marcou a carreira de Ernesto Guaita foi o arruamento da região central da cidade (feito na década de 1880 a pedido da Câmara) e a previsão de longas avenidas ligando o centro aos bairros da região sul. “De certa forma, muitas ideias de Guaita foram utilizadas em projetos urbanísticos posteriores”, esclarece o pesquisador Marcelo Sutil.

*As informações históricas contidas nesta matéria foram obtidas em entrevistas com  Analu Cadore (A produção arquitetônica de Ernesto Guaita, 2010), Marcelo Sutil (O espelho e a miragem, 1996) e Aymoré Índio do Brasil, além da obra Cândido de Abreu e a arquitetura de Curitiba entre 1897 e 1916, 2004, de Suzelle Rizzi, Boletim da Casa Romário Martins (ano 4, n. 23, 1978) e Jornal A República (edições entre 1890 e 1900). Colaboraram, ainda, o Museu Ferroviário de Curitiba e Fábio Sidney Thon, secretário da Associação Giuseppe Garibaldi.